terça-feira, 20 de setembro de 2016

Quinze minutos

Nossas mãos se tocaram pela primeira vez na faca de manteiga que estava em cima da mesa e eu senti aquele choque elétrico no corpo que faz com que todos os seus pelinhos se ouricem. Eu mentiria se dissesse que já não tinha percebido aquela aura cor de rosa no meio de nós dois em outros momentos mas não sabia que a proporção dos fatos seriam astronômicos.
Eu havia passado por lá para deixar uma encomenda e fui convidada para um café. Meu espírito inquieto fazia com que meus olhos passeassem pela casa sem que encontrassem os dele, eu talvez tentasse mentir para mim mesma que alguma coisa estranha estava acontecendo porém foi inevitável olha-lo enquanto falava comigo com sua voz mansa tentado me fazer entender como a geringonsa que tanto amava funcionava. Eu me mostrava mais interessada na conversa dela do que na dele enquanto uma voz na minha mente me mandava correr dali. Havia muito tempo que eu não sentia tanta coisa junto, o medo que vinha com o olhar admirador dele era insuportável. Eu  estava cometendo um adultério duplo, era assim que eu pensava. Mas as borboletas malditas que se apinham em seu estômago em algumas épocas da vida te imobilizam. E ele nem era bonito. Seus cabelos mal cortados não combinavam em nada com a armação do óculos ultrapassada o que fazia com que parecesse dez anos mais velho. Não tinha corpo atlético e nem era fã de nenhuma série da qual entendesse minhas referências mas algo naqueles olhos faziam as borboletas chaqualharem suas asas frenéticas. Eu estava ali, com a mão na faca de manteiga imobilizada pelo choque, 
Uma voz feminina conhecida contava uma história ao fundo de minha mente, a cafeteira fazia um barulho estranho deixando o ar com um cheiro forte de café, cheiro esse que embriaga minhas lembranças cada vez que o baú dos pecados é aberto. A faca, maldita faca, nós dois tocamos a faca juntos e meio a desculpas de "pegue você primeiro" a voz desconcertante dele denunciou que o choque havia acontecido dos sois lados. Não era coisa da minha cabeça. Outro dia quando nos despedimos senti seu lábio tocar carinhosamente minha bochecha enquanto sua mão macia acariciou rapidamente o outro lado do rosto, até então eu travava uma batalha mental dizendo que era coisa da minha cabeça. Nós retraímos as mãos rapidamente sentindo como se tivéssemos enfiado o dedo na tomada, e meu ouvido logo deu vazão para a voz feminina que ficou mais audível naquele momento, eu não queria pensar que aquilo estava acontecendo. Ele logo deu uma desculpa e saiu da casa, eu fiquei ali por mais quinze minutos, me despedi e corri em direção ao fundo do poço dos meus pecados, algo estava acontecendo e eu não queria que fosse adiante. O engraçado é que eu sabia que em algum momento da vida isso iria acontecer, a surpresa veio quando descobri com quem. 
Era uma noite quente de começo de primavera, noite perfeita para um churrasco e discussões ferrenhas sobre personagens fantásticos. Enquanto eu falava sentia aquele olhar me queimando, já não mandava mais em mim, meu ego havia crescido e eu vomitava sem parar referências e teorias tentando desesperadamente impressionar e estava funcionando embora eu soubesse que nada sairia dali. Era o que eu acreditava até que os quinze minutos mais longos da minha vida aconteceram.
O destino preparou uma emboscada e tivemos a sorte ou azar de ficarmos sozinhos, um descuido dos anjos e na troca ao me alcançar um copo novamente nossas mãos se tocaram, ninguém soltou o copo, olhei para baixo com cara de desespero como um vidente prevendo a própria morte sentindo a outra mão pegando o meu pulso com firmeza.Então ouvi o vidro estilhaçando no chão enquanto um laço era formado em volta da minha cintura por seus braços ligeiros. Senti minha nuca ser pressionada por sua mão e a boca quente tocando a minha em um beijo desesperador, quase como um pedido de socorro. Eu não tive tempo de recuar. Eu não queria recuar. sentia meu corpo esfalecer naquele abraço, minha pele mais uma vez eriçada, as borboletas desesperadas e uma vontade louca de que aquele beijo nunca acabasse. Era uma mistura de admiração e desejo, de fuga, como se outra dimensão tivesse tomado conta de nós dois. Senti meu corpo ser jogado contra a parede de tijolos expostos que me deixaram com arranhões. Ele me levantou em um golpe fazendo com que minhas pernas trançassem em sua cintura. O que me mantinha no ar era a pressão que o corpo dele fazia contra o meu enquanto suas mãos passeavam por todas as áreas que minha roupa deixava exposta. A boca quente no meu pescoço e de volta para minha boca. O desejo, a vontade. E sabia que era apenas um objeto de valor, como algo que você quer muito, que pode tocar, experimentar, mas sabe que não pode comprar. Era apenas aquilo que ele gostaria de ter, admirava, desejava, e eu gostava de fazer parte da fantasia, me  tornava mais feminina, mais apaixonante, mais mulher. Ele me fazia sentir mulher. 
Foi então que senti a mão por baixo da meu vestido empurrando qualquer obstáculo que estivesse pela frente, expressei um gemido de negação que foi interrompido por sua boca. Seus olhos penetraram nos meus e como se eu tivesse o poder de ler seus pensamentos entendi que não passava de um ato desesperado de fugir da realidade, de se aventurar em águas mais profundas, em experimentar como poderia ter sido se suas escolhas tivesses sido diferentes, se tivesse se deixado andar pela vida para conhecer o que mais havia. Era conhecido e desconhecido ao mesmo tempo. Seus olhos imploravam para que lhe mostrasse que estava errado, que aquilo  não valia a pena, podia ver brotando um pedido de socorro, de arrependimento. Os meus olhos queriam abraça-lo de um modo mais humano, não tão louco, queriam dizer-lhe que sim, eu entendia, que sim ele poderia ter tido a chance de fazer tudo diferente e que havia muito mais no mundo do que ele esperava ter. 
Senti então suas unhas cravarem em minhas costas avisando que estava chegando ao fim, quando meus pés enfim tocaram o chão ele segurou meu rosto com as duas mãos, beijou minha testa e me olhando de um jeito desesperado suspirou como se acordasse de um sonho bom. Eu sorri enquanto meus olhos tentavam se desviar envergonhados. Ele andou um passo e voltou, juntou novamente meus rosto em suas mãos e me tocou com um beijo dessa vez carregado de carinho não mais de emoção, passou a mão nos meus cabelos como quem se despede de alguém que está indo embora, Ainda teve tempo de suspirar em meu ouvido que queria ter tido escolha. 

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